(‘Nós somos Kanoé’)
Apresentamo-nos:
nós somos da etnia Kanoé, de língua do mesmo nome, cujos últimos cinco falantes
vivem em terras Indígenas no Estado de Rondônia, bem distantes entre si.
Os dois falantes idosos, Francisco Canoê
e Júlio Canoê, por sua vez, também vivem relativamente distantes um do outro.
Isso porque Francisco mora com os filhos e netos na Aldeia Ricardo Franco, na
T. I. Sagarana. Assim, não há mais situação social para o uso efetivo de nossa
língua nativa, posto que o Português tornou-se a língua maternal, dos
remanescentes Kanoé do Vale do Guaporé, em Kanoé Rondônia e de outros
indivíduos Kanoé dispersos em outras regiões do Estado. Além disso, quando os
dois idosos se encontraram, outros problemas dificultam o uso da língua nativa:
Francisco Kanoé tem dificuldades de audição e Júlio tem alguns problemas de
memoria, pelo fato de Há muito não falar diariamente o Kanoé, de tal modo que a
língua gradualmente sendo esquecida.
Por outro lado, a partir de 1995, a FUNAI, depois de
10 anos de insistência, conseguiu localizar e identificar uma família Kanoé na
região do Rio Omeré, no sul de Rondônia. Esses nossos parentes, separados pelo
tempo e pelo espaço geográfico, ficaram conhecidos como “Kanoé isolados do Omeré”.
Esse grupo está hoje reduzido a três pessoas, dois adultos e uma criança, ainda
falantes monolíngues em Kanoé, em bora já tenham aprendido algumas palavras e
frases curtas do Português para as necessidades diárias de comunicação com
servidores da FUNAI ou da FUNASA na T. I. Rio Omeré.
A existência de dois grupos distantes
entre si e resultado de um processo histórico de dominação e submissão do nosso
povo pelo homem “civilizado”. Assim, a partir da década de 1930 e sobre tudo de
1940, parte de nosso povo foi “aliciado” e deslocado para trabalhar com caucho
e seringueiras, durante o final do “ciclo da borracha” na Amazônia.
Posteriormente, quando já éramos poucos, fomos deslocados pelo SPI (Serviço de
Proteção aos Índios) para a Aldeia Ricardo Franco, para a cidade de
Guajará-Mirim e, alguns, para outras áreas indígenas de Rondônia. Isso quer
dizer que a maioria sofreu um processo de dispersão e aculturação forçada ao
longo da historia, com perda da terra, da língua e da cultura Kanoé.
Esse grupo aculturado tem hoje
aproximadamente 150 pessoas e, para fins de identificação, é chamado de “Kanoé
do Vale do Guaporé”. Não sabemos exatamente quantos somos, pois não temos
noticias do paradeiro de alguns que foram levados pelos “brancos” seja para a
capital Porto Velho, seja para outras regiões do Estado, e até mesmo para o
interior de São Paulo, quando eram ainda jovens.
Neste blog, pouco a pouco vamos contar
um pouco de nossa historia e de nossa cultura, de acordo com o que foi possível
resgatar da memoria de nossos idosos. Além disso, vamos postar noticias
relativas a nossa etnia e à pesquisa e documentação de nossa língua, no Projeto
Kanoé do PRODOCLIN – Projeto de Documentação de Línguas Indígenas do Museu do
Índio do Rio de Janeiro, em convênio com a UNESCO.
Laércio N. Bacelar
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